MARIALVA
Nascido remediado nos primórdios
do século XX, longe da Capital, foi lutando a duras penas que conseguiu vencer
e subir na vida atingindo a maioridade no meio da frequência de um curso médio
que o iria preparar para um qualquer lugar de escriturário ou no Estado ou numa
pequena empresa.
Teve sorte. Foi trabalhar para os
serviços alfandegários, num belo e antigo edifício junto a Santa Apolónia e não
longe da Estação de comboios.
No entretanto foi conhecendo a
boémia de Lisboa muito centrada no Bairro Alto , na Mouraria e também em
Alfama, bairro que o encantava e onde se perdia pelas suas ruelas não raramente
vendo o nascer do Sol junto a Santa Luzia. Por ali escutava o fado e até se
encantou com a voz inconfundível de Alfredo Marceneiro, nascido em Fevereiro de
1891 e ainda no inicio da sua carreira.
A pouco e pouco e com o passar
dos anos naturalmente conheceu em encontros nocturnos gentes de todas as
classes sociais, desde estivadores, passando pela pequena burguesia até um ou outro
fidalgo amante das aventuras e das
arruaças não raro aconteciam com o final na base de um chanfalho aplicado a
preceito nas costas dos mais aguerridos e renitentes em acalmar.
Aos fins de semana quando
começava a Primavera, era certo e sabido que com alguns daqueles já quase
amigos, alugavam duas ou três caleches de quatro rodas e alegremente, roda
acima roda abaixo lá iam para fora de portas, no caso as Portas de Benfica,
rumo às hortas e a boas almoçaradas bem regadas com frescos vinhos e muita
cantoria à mistura.
Depois começava a época das
touradas e das inevitáveis esperas, terrenos propícios para os mais arrojados e
valentões se exibirem perante damas da alta sociedade e costureirinhas
desejosas de encontrar noivo que as guindasse para vidas melhores.
Tempos ligeiros e de poucas
preocupações para o nosso personagem.
Com o pouco dinheiro que mensal e
pontualmente recebia do patrão Estado e que ele zelosamente geria, dormia em
quarto alugado, comia barato em pequenas tascas que então semeavam o Bairro
Alto e até comprara chapéu e um fato escuro que quinzenalmente levava a uma
lavandaria, a única, situada junto à Estação do Rossio, saindo de lá impecável
e bem engomado.
Uma bela noite e com um pouco do
seu pé de meia foi até um cabaré existente no Palácio Foz, pensando em se
divertir com alguma das espanholas que por ali aligeiravam a bolsa dos mais
abonados que não era o seu caso. Sentado à mesa em alegre cavaqueira com
conhecidos de pouco tempo, um deles em tom de brincadeira referiu que partiria
no dia seguinte para Madrid e perguntou-lhe se desejava que lhe trouxesse um
recuerdo ao que ele retorquiu, rindo, que lhe calhava a preceito uma bela
espanhola. Risota geral.
Poucos dias passados recebeu um
bilhete em casa. Ali estava dito que tinha tal qual pedira, uma espanhola
instalada no Hotel Nacional e já por sua conta toda a despesa e muito mais.
Nesse mesmo dia junto ao Cais do Sodré foi encontrado a boiar e sem vida o seu
corpo, vestido com o fato preto que tanto prezara.
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